Após a agitação, voltam “desafios de sempre” dos transportadores em Moçambique
Os bloqueios rodoviários nos protestos pós-eleitorais trouxeram “muitos prejuízos” para os transportadores, mas no regresso à normalidade, a estrada volta a ser a principal fonte de sustento para centenas de motoristas, apesar dos “desafios de sempre”.

Adolfo Tivane, 31 anos, sustenta oito pessoas com 10 mil meticais (136 euros) que ganha mensalmente ao volante de um furgão de transporte de passageiros, localmente designado “chapa”.
Com a escola das sobrinhas e alimentação da família, a vida deste motorista foi sempre “apertada” durante quase 10 anos a transportar passageiros, mas nada foi mais difícil do que as incertezas dos últimos meses, marcados por paralisações e protestos quase por todo o país.
“Em minha casa somos oito pessoas, todos à minha responsabilidade: a minha mãe, as minhas irmãs, as minhas sobrinhas, (…) Com o pouco que eu ganho, tento ajudar a minha família, nem dá para eu guardar ou tentar fazer a minha vida”, conta à Lusa Adolfo Tivane.
O motor do seu Toyota Hiace começa a funcionar às cinco da manhã, numa das principais rotas de Maputo, ligando o centro da capital ao município da Matola, numa distância de quase 15 quilómetros.
A rota de Adolfo foi uma das mais afetadas pela agitação que se instalou em Moçambique desde outubro de 2024, com estradas bloqueadas e confrontos entre as autoridades e os manifestantes.
“Tivemos muitos prejuízos, ficámos por muito tempo parados. Isso prejudicou tanto a nós como ao nosso patrono”, explica Adolfo, acrescentando que, apesar do regresso à normalidade nas últimas semanas, ainda não conseguiu recuperar dos prejuízos.
A maior parte dos motoristas dos “chapas”, principal meio de transporte nas zonas urbanas em Moçambique, trabalha mediante um acordo com o proprietário da viatura, estando estipulada uma meta diária.
O preço mínimo para os passageiros nestes furgões é de 15 meticais (0,20 cêntimos de euro), sendo imperioso para os transportadores fazerem o maior número de voltas possíveis.
No pico das manifestações, fazer-se à estrada era um perigo, em alguns dias, o que fazia com que os transportadores falhassem com as metas definidas pelos proprietários das viaturas.
“Quando o povo se manifestava não aceitava que os veículos circulassem na via pública. O chapa, logicamente, tinha de parar”, explica à Lusa Salvador Massango, 33 anos, outro transportador.
Moçambique viveu, desde 21 de outubro, um clima de forte agitação social, protestos, manifestações e paralisações, convocadas, primeiro, por Venâncio Mondlane, antigo candidato presidencial que rejeita os resultados eleitorais de 09 de outubro, com confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, além de saques e destruição de equipamentos públicos e privados.
A agitação que afetou o país nos últimos meses provocou a morte de cerca de 390 pessoas, segundo organizações não-governamentais que acompanham o processo eleitoral, com o Governo moçambicano confirmar pelo menos 80 óbitos, além da destruição de 1.677 estabelecimentos comerciais, 177 escolas e 23 unidades sanitárias durante as manifestações.
Contudo, em 23 de março, Mondlane e o Presidente moçambicano, Daniel Chapo, já empossado, encontraram-se pela primeira vez e foi assumido o compromisso de acabar com a violência pós-eleitoral no país.
Com o fim da agitação, pelo menos nos últimos meses, os “chapas” voltaram com frequência à capital, mas os desafios, já bem conhecidos, continuam, desde a manutenção das estradas e o braço de ferro com as autoridades municipais.
“O que estraga é a polícia municipal, que não sabe trabalhar. Mesmo o condutor estando numa situação legal, para eles, você nunca é legal, (…) Criam artimanhas para você tirar dinheiro, é isso que nós não queremos”, declara à Lusa Joaquim Muiambo, 38 anos, outro transportador de uma rota que liga Maputo e Matola.
Embora sejam um dos principais atores na mobilidade urbana em Moçambique, os “chapas” não conseguem satisfazer na totalidade as necessidades das pessoas, mesmo com a existência de autocarros públicos, o que mantém vivo um problema “crónico” no país, com as principais paragens sempre lotadas e autocarros quase à pinha.
Lacerda Felisberto, 21 anos, estudante na cidade de Maputo, conta à Lusa que para apanhar o transporte para a escola,tem, por vezes vezes, de “lutar” com outros passageiros.
“No período da manhã, tem sido um problema e, no período da tarde, lá para o final do dia, para apanhar transporte aqui é uma guerra”, avança Felisberto, referindo que, por vezes, os cobradores nos furgões só carregam os que não chegam ao destino final do veículo.
“É uma situação muito lamentável no nosso país, temos muita falta de transportes. No nosso dia-a-dia, não tem sido fácil, temos tido dificuldades, principalmente nas terminais, então temos de lutar para a gente ter transporte”, diz à Lusa Paulo Muache, 34 anos, outro passageiro.
O setor de transportes em Moçambique é um dos mais deficitários ao nível dos serviços públicos, principalmente o transporte rodoviário.
A crise de meios desencadeou o recurso a veículos de caixa aberta privados, popularmente conhecidos por ‘My Love’, dada a proximidade física com que os passageiros viajam na caixa de carga de mercadorias e a necessidade de, por vezes, se abraçarem para não caírem à estrada.
EAC // VM
By Impala News / Lusa
Siga a Impala no Instagram