Constituição resistiu ao tempo porque deputados deram o seu melhor – Helena Roseta

A deputada constituinte Helena Roseta defendeu hoje que a Constituição da República, elaborada em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC), fará 50 anos “praticamente como foi aprovada”, porque os deputados constituintes “deram o seu melhor”, apesar da grande confrontação política.

Constituição resistiu ao tempo porque deputados deram o seu melhor - Helena Roseta

“O mais extraordinário da Constituição é que foi feita num momento de grande agitação no país”, sublinhou a arquiteta, que se envolveu diretamente na consagração do direito à habitação e também nas questões do ambiente e da qualidade de vida.

Em entrevista conjunta com o também constituinte Pedro Roseta e duas das três filhas, Filipa (vereadora) e Catarina (investigadora), Helena Roseta, 77 anos, recordou o período conturbado, entre 1975 e 1976, em que foram conduzidos os trabalhos da Assembleia Constituinte.

“No PREC, todos os dias aconteciam coisas. Havia manifestações, quedas de governo, movimentações militares, houve um cerco à Assembleia, foi um período muito agitado, com grande confrontação política, não só militar, mas também política”, lembrou, ao mencionar as posições opostas defendidas pelo PCP e pelos partidos mais à esquerda e pelo PS e os partidos à direita.

A Assembleia Constituinte, eleita a 25 de abril de 1975, tinha como missão elaborar uma Constituição democrática, no prazo de 90 dias, no âmbito de um período de transição até às eleições legislativas de 1976, de onde sairia o novo poder legislativo, mas os trabalhos eram constantemente interrompidos pela sucessão de acontecimentos que irrompia das ruas.

Os militares haviam deposto a ditadura, em 1974, mas era necessário construir um novo sistema político.

“Neste ambiente de tão grande confrontação foi possível aprovar uma Constituição que já teve algumas alterações, mas não tantas quanto isso, e que fará 50 anos praticamente como foi aprovada”, declarou Helena Roseta, sublinhando o contexto complexo, dividido, com o país em crise, em que conseguiram entender-se deputados com posições politicas antagónicas sobre o modelo de sociedade a construir.

“Uma explicação que encontro para isso é que, no fundo, aquele momento a seguir ao 25 de Abril é um momento que existe na vida dos povos em que o futuro fica em aberto e há uma grande liberdade e uma grande alegria e toda a gente procura dar o seu melhor, com a consciência de que está a construir o futuro”, assumiu.

Segundo Helena Roseta, os deputados da Assembleia Constituinte tinham “a convicção muito forte” de que estavam a construir o futuro do país.

“Deram o seu melhor, coisa que agora já não acontece. Há muitos deputados que não dão o seu melhor. Há partidos que não dão o seu melhor, nem sequer se esforçam”, lamentou.

No Diário da Assembleia Constituinte de 03 de abril de 1976, o presidente daquela câmara, Henrique de Barros, deixou lavrado o espírito dos parlamentares da época – “Inexperientes como todos éramos na prática da democracia representativa, competentes no campo jurídico apenas alguns de nós, ansiosos todos por descobrir soluções progressistas adaptáveis à ideologia de cada qual (…)”.

O excerto está inscrito no livro “Os Constituintes”, uma edição do parlamento, com coordenação dos investigadores Ivo Veiga, Maria Fernanda Rollo e Paula Borges Santos.

Entre os deputados com formação no campo jurídico, encontrava-se Pedro Roseta (PPD), juntamente com Jorge Miranda (PPD), José Luís Nunes (PS) e Vital Moreira (PCP).

“Podiam entrar em grandes desaguisados. E há diálogos espantosos do Pedro com o Vital Moreira. Espantosos e violentos, mas respeitavam-se”, garantiu Helena Roseta, depois de mencionar alguns deputados que se destacavam.

“É quase incompreensível como é que no meio do PREC se faz uma Constituição que resiste ao tempo, como o presidente da Assembleia Constituinte desejou no primeiro dia – “Que façamos uma Constituição que resista ao tempo”, acentuou.

A par do respeito que algumas figuras inspiravam, pelo percurso que já tinham, havia também uma certa ingenuidade, admitiu.

“Havia seguramente, uma certa ingenuidade. De dia estávamos na Constituinte, à noite íamos fazer sessões de esclarecimento. Íamos para qualquer lado, enfrentar qualquer audiência, mas na boa! Ninguém se lembrava, sequer, de levar segurança. E tivemos muitas vezes boicotes e problemas, mas havia o acreditar que a sociedade portuguesa era capaz de ser uma sociedade moderna e que éramos capazes de criar a base disso”, testemunhou a constituinte, durante uma conversa com a Lusa, realizada na biblioteca do parlamento, quando estão prestes a completar-se 50 anos da eleição da Constituinte.

A Constituição teve a primeira revisão em 1982, no âmbito do que ficara decidido quando da aprovação, em 1976. Apenas nessa altura foi extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional. Desde esse ano já foi alvo outras seis revisões.

*** Ana Mendes Henriques (texto), António Pedro Santos (foto), Pedro Lapinha, Jorge Coutinho e Rui Pereira (vídeo) ***

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By Impala News / Lusa

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