A herança da Constituição na perspetiva de Filipa e Catarina Roseta
Filhas de constituintes, Filipa e Catarina Roseta assumem diferentes formas de intervenção política, dentro e fora do sistema partidário, e consideram que continua a ser imperativo lutar pelos direitos fundamentais que os pais ajudaram a construir há 50 anos.

“Conseguirmos manter esta Constituição viva é um trabalho, não é uma coisa que acontece naturalmente. A ideia de que vai ser sempre assim, não é assim. Pode voltar para trás a qualquer momento”, defendeu Filipa Roseta ao olhar para a lei fundamental meio século depois da definição das bases do sistema democrático em Portugal.
A Lusa juntou os deputados constituintes Pedro e Helena Roseta, com duas das três filhas, para uma conversa na biblioteca do parlamento, em torno dos trabalhos da Assembleia Constituinte, que resultou das primeiras eleições livres realizadas em 25 de abril de 1975, e da Constituição aprovada no ano seguinte.
“Olha-se para os Estados Unidos e vê-se que as coisas podem voltar para trás a qualquer momento. Esse é que é o grande alerta hoje”, sustentou Filipa Roseta, arquiteta, atualmente vereadora (PSD) na Câmara Municipal de Lisboa, com o pelouro da habitação.
“Não podemos ficar calados e essa é que é a grande herança. Foi uma grande conquista, andamos para a frente e não podemos voltar para trás. A Constituição é o sentido da sociedade, a igualdade, a liberdade. É para aí que todos queremos ir”, acrescentou.
“O que é importante para mim? É esta coisa de lutar pelo que é justo e [contra] o que é injusto. Isso é a grande força do que ouvimos a nossa vida inteira”, afirmou Filipa Roseta.
Catarina Roseta, especialista em economia do ambiente, defende os mesmos valores, mas entende que a intervenção política não se esgota nos partidos.
“Ninguém pode dizer ´não quero saber da política´. A política está na vida de toda a gente. Toda a gente é chamada a intervir. Se ignora, a política cai-lhe em cima mais cedo ou mais tarde”, defendeu.
É através do ativismo nas questões ambientais que a investigadora tem participado na política ambiental, com contributos para legislação, em comissões parlamentares, artigos de opinião e palestras, entre outras iniciativas. “Escolhi a minha causa, que é a causa do meio ambiente”, assumiu.
“A pessoa não é o fim da história. Estamos metidos num ecossistema complexo. Há uma retórica em torno da pessoa. Mas a pessoa não existe sem tudo o resto à volta”, disse Catarina Roseta, para quem todos os cidadãos têm o dever de fazer o que puderem para melhorar o que os rodeia.
Atenta ao discurso da filha, Helena Roseta interrompeu apenas para confirmar a vocação: “Quando eu pegava num cigarro, a Catarina ia buscar um vaso com uma planta e punha-me debaixo do nariz. Era mesmo um bocadinho de ‘bullying’ que ela fazia comigo, mas muito pequenina mesmo, ainda não estava na primária”.
“Segui essa vocação e aprendi com os meus pais a postura ativa e interventiva na sociedade, e a liberdade. Ninguém me manda calar. Tenho coisas que quero dizer e digo. As coisas têm de se dizer”, sublinhou Catarina, motivando uma reação da irmã – “Até podes candidatar-te”.
“Efetivamente posso. Mas também temos visto, do nosso lado, o esforço e o sacrifício que isso é em termos familiares, não é?”, respondeu.
“Acho louvável a minha irmã estar na política, mas não me apetece, confesso. É difícil”, justificou Catarina.
Com os pais comprometidos com obrigações partidárias — militaram ambos no PPD-PSD, antes de Helena Roseta deixar o partido para apoiar a candidatura do socialista Mário Soares a Belém — Filipa e Catarina habituaram-se a responder à curiosidade alheia de uma forma muito sábia, segundo mãe.
A quem questionava como era lá em casa, respondiam: “Ganhamos sempre. Ou ganha o pai ou ganha a mãe”.
“Isso era importante. Convivemos sempre com isto, com o pluralismo. É das partes mais importantes lá em casa. Há uma linguagem comum, apesar de haver várias diferenças. Há os tais princípios que são aqueles da Constituição, que nos mantêm como uma família unida num discurso comum”, acentuou Filipa Roseta.
“Elas foram educadas nisso e é isso que não se pode perder na sociedade portuguesa. Não pode haver o chamado domínio do extremo, seja extrema-esquerda, seja extrema-direita, que efetivamente, têm outra perspetiva”, referiu Pedro Roseta.
Aos 12 anos, as irmãs Roseta receberam autorização para lerem todos os livros da biblioteca do pai, um espólio “muito respeitável!”, assegurou Catarina.
“Isso para mim foi a liberdade, porque até aos 12 anos, havia limites (…) A minha mãe trazia-nos livros também, franceses. Líamos tudo e depois questionávamos”, contou, ao recordar a discussão de ideias, da qual a discordância fazia e continua a fazer parte.
*** Ana Mendes Henriques (texto), António Pedro Santos (foto), Pedro Lapinha, Jorge Coutinho e Rui Pereira (vídeo) ***
*** Serviços áudio e vídeo disponíveis em www.lusa.pt ***
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By Impala News / Lusa
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